Agência Senado
A União reduziu em 90,5% o valor médio das transferências a estados e municípios para o combate à pandemia em 2021. No ano passado, o Poder Executivo enviou o equivalente a R$ 391,8 milhões por dia para governadores e prefeitos. Nos cinco primeiros meses deste ano, a média diária de empenhos caiu para R$ 36,9 milhões. Os dados estão atualizados até 30 de maio e disponíveis no portal Siga Brasil, mantido pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado (Conorf).
O corte ocorre num momento em que o número de mortes por covid-19 dispara no Brasil. Entre março e dezembro de 2020, o país registrou 194,9 mil óbitos. De janeiro a maio de 2021, essa conta mais do que dobrou na metade do tempo: agora são 462,7 mil brasileiros mortos. Apesar da tragédia, a média de repasses da União para estados e municípios nem chega a um décimo do valor transferido no ano passado.
No primeiro ano de pandemia, o Palácio do Planalto empenhou um total de R$ 540,2 bilhões, liberados por medidas provisórias para o enfrentamento à covid-19. Os governos locais ficaram com R$ 114,8 bilhões, o equivalente a 21,2% do total. A maior parte do dinheiro foi repassada por meio de um auxílio financeiro para compensar a perda de arrecadação provocada pela pandemia em estados e municípios, um total de R$ 78,2 bilhões.
Outros R$ 35,8 bilhões foram aplicados no combate à emergência de saúde pública. Essa ação engloba medidas como compra de insumos, equipamentos de proteção individual e testes de detecção, capacitação de agentes de saúde e oferta de leitos de unidade de terapia intensiva. Em 2020, governadores e prefeitos também receberam recursos para o programa Dinheiro Direto na Escola (R$ 672,1 milhões), os serviços de assistência hospitalar e de atenção básica em saúde (R$ 57,2 milhões) e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar Nutricional (R$ 6,1 milhões).
Neste ano, o cenário mudou. O total de empenhos da União limitou-se a R$ 85,9 bilhões — contra os R$ 200,1 bilhões comprometidos entre março e maio de 2020. Estados e municípios ficaram com R$ 5,5 bilhões, o equivalente a 6,3%. Programas desenvolvidos no ano passado tiveram as transferências interrompidas, e o dinheiro foi liberado para apenas duas ações em 2021: procedimentos de alta e média complexidade (R$ 3,4 bilhões) e piso de atenção primária à saúde (R$ 2 bilhões).
Os dados sobre transferências a estados e municípios se referem exclusivamente às despesas executadas por meio de repasses da União para os entes subnacionais. Gastos realizados diretamente pelo governo federal no enfrentamento da pandemia ficam fora dessa conta, mesmo que aplicados localmente. É o caso, por exemplo, do auxílio emergencial.
— Embora os recursos do auxílio emergencial tenham alcançado a população de todo o país, o programa foi executado pela própria União, valendo-se da capilaridade da Caixa Econômica Federal para efetuar os pagamentos diretamente aos beneficiários. Dessa forma, como não houve transferência para que estados e municípios fizessem o pagamento do benefício, tais despesas não constam da tabela — explica Marcel Pereira, consultor da Conorf.
Prioridade a prefeitos
Os números do Siga Brasil revelam que a União preferiu repassar o dinheiro para o combate ao coronavírus diretamente aos prefeitos, em detrimento dos governadores. Considerando o valor total das transferências desde 2020, os municípios ficaram, em média, com 51,7% da verba. Os estados, com 48,2%.
Em 15 unidades da Federação (UFs), os governadores receberam menos recursos do que os prefeitos locais. Isso ocorreu em sete dos nove estados do Nordeste (exceto Sergipe e Pernambuco), além de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Em 11 desses estados, os governadores são de partidos de oposição ou criticam a postura do presidente Jair Bolsonaro no combate ao coronavírus. João Doria (SP), por exemplo, ficou com 47,2% dos recursos transferidos pela União, enquanto a maior fatia foi repassada diretamente para os municípios paulistas. Rui Costa (BA) recebeu 46,8%, seguido de Flávio Dino (MA), com 46,5%, e Eduardo Leite (RS), com 44,8%.
Em outras 11 UFs, foram os gestores estaduais que amealharam o maior pedaço do bolo em comparação com os prefeitos. Destaque para Antonio Denarium, que se autodenomina “bolsonarista”: ele ficou com 75,1% do dinheiro transferido para Roraima. O mesmo ocorreu com outros aliados declarados do presidente da República: Belivaldo Chagas (SE), Wilson Lima (AM) e Mauro Mendes (MT) receberam, respectivamente, 59,9%, 56,9% e 52,1% dos recursos.
Os dados demonstram, no entanto, que, em alguns casos pontuais, críticos do presidente Jair Bolsonaro foram beneficiados com mais recursos do que os prefeitos locais. Isso ocorreu com Waldez Góes (AP), que ficou com 74,7%, e Renato Casagrande (ES), que obteve 56,2% do dinheiro transferido pela União.
O inverso também aconteceu, e alguns simpatizantes do presidente da República acabaram recebendo menos do que os prefeitos. É o caso de Romeu Zema (MG), que obteve 36,9%, Ratinho Júnior (PR), com 44,1%, e Ronaldo Caiado (GO), com 44,8%. Como o Distrito Federal não tem municípios, o governador Ibaneis Rocha ficou responsável por todo o dinheiro transferido.
A Agência Senado comparou os valores transferidos a estados e municípios com o número de casos confirmados de covid-19 em cada uma das UFs até o dia 30 de maio. O cruzamento foi feito a partir de dados do Siga Brasil e da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos.
Em apenas seis situações o montante repassado corresponde ao patamar que o estado ocupa no ranking de contaminação. São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, são os que mais receberam dinheiro da União desde 2020. É justamente entre paulistas e mineiros que se verifica o maior número de infectados. A proporção entre transferências e casos confirmados também é respeitada em Ceará, Piauí, Sergipe e Amapá.
A comparação indica que em 12 locais o valor do repasse foi superior à posição do estado na lista de registros da doença. Maranhão e Alagoas subiram cinco posições. Em seguida, surgem Pernambuco (+4); Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte (+3); Bahia e Tocantins (+2); Pará, Mato Grosso, Amazonas, Paraíba e Acre (+1).
Em nove estados, os repasses ficaram proporcionalmente abaixo da posição sugerida pelo número de casos de covid-19. O maior “rebaixamento” foi para o Distrito Federal, que ocupa o 13º lugar no ranking de casos, mas despencou para a 24ª posição na lista dos que mais receberam recursos. Santa Catarina e Espírito Santo caíram quatro postos na comparação, seguidos de Paraná (-3); Goiás e Mato Grosso do Sul (-2); Rio Grande do Sul, Rondônia e Roraima (-1).
CPI da Pandemia
O repasse de dinheiro da União para estados e municípios é uma das linhas de investigação da CPI da Pandemia. Senadores alinhados ao Palácio do Planalto querem apurar se parte dos recursos transferidos foi desviada por governadores e prefeitos.
Na última reunião deliberativa, a comissão aprovou requerimentos de convocação para nove gestores estaduais. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) quer apurar se houve fraude na compra de respiradores por governadores do Nordeste.
— Existe uma quantidade enorme de denúncias de desvio de recursos que foram repassados pelo governo federal para os estados, seja na compra de respiradores superfaturados, seja na compra de respiradores que não chegaram. Foi uma série enorme de desvios, e é fundamental que esclareçamos esses fatos. Algumas pessoas não acham isso importante. Eu acho isso muito importante — disse.
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), avalia que convocação de governadores é inconstitucional. Para ele, se gestores estaduais podem ser chamados a falar na comissão, o mesmo vale para o presidente da República. O parlamentar é autor de um requerimento para a convocação de Jair Bolsonaro.
— A convocação de governadores ofende a Constituição e o Regimento Interno do Senado. CPI não pode investigar estados-membros da Federação, Poder Judiciário e Câmara dos Deputados. Se eles puderem vir, o presidente da República também virá. No caso dos governadores, tem inquérito e investigação do Ministério Público Federal. E o presidente? Quem está investigando? — questiona.
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