Em 2022, o montante em precatórios deverá alcançar R$ 89,1 bilhões – um acréscimo de R$ 34,4 bilhões em relação a 2021
Agência Câmara de Notícias
O relator da chamada PEC dos Precatórios, deputado Darci de Matos (PSD-SC), defendeu nesta quinta-feira (9) a constitucionalidade da proposta, apesar das críticas feitas por especialistas e outros parlamentares que a consideram inconstitucional e para os quais a medida promoverá um calote em credores do governo.
A matéria (Proposta de Emenda à Constituição 23/21) foi tema de uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, que analisa os aspectos constitucionais e jurídicos da medida.
Apresentada pelo Poder Executivo, a PEC muda o pagamento de precatórios, que são dívidas do governo com sentença judicial definitiva. Até 2029, aqueles com valor acima de 60 mil salários mínimos, ou R$ 66 milhões atualmente, poderão ser quitados com entrada de 15% e nove parcelas anuais.
Darci de Matos, que já apresentou à CCJ um parecer pela admissibilidade da proposta, afirmou que a matéria não ofende a forma federativa de Estado nem fere a separação de Poderes.
Aumento dos precatórios Segundo o governo, a PEC é necessária porque, em 2022, o montante em precatórios deverá alcançar R$ 89,1 bilhões – um acréscimo de R$ 34,4 bilhões em relação a 2021. Esse valor, conforme a argumentação, poderá comprometer os demais gastos do Executivo. O Ministério da Economia avaliou que, se a PEC for aprovada ainda neste ano, poderão ser parcelados 47 precatórios, gerando economia de R$ 22,7 bilhões no próximo ano.
“Nosso intuito nunca foi trazer regras prejudiciais à sociedade. A gente vai ter que pensar como lidar com esse aumento absolutamente expressivo de precatórios e sem uma perspectiva de baixa neste volume”, justificou o procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano de Alencar.
O secretário especial da Secretaria do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, acrescentou que a lógica da proposta é trazer previsibilidade à despesa.
Na avaliação de Darci de Matos, o problema está posto na mesa. “O gráfico demonstra que em 2010 os precatórios significavam 11% das despesas discricionárias, que são infraestrutura, energia, políticas públicas. Em 2022, significam 90% das despesas discricionárias”, destacou o relator.
Constitucionalidade questionada A análise dos críticos, no entanto, é de que a PEC dos Precatórios é inconstitucional, e o parecer de Darci de Matos deveria ser revisto.
“O parcelamento é nitidamente inconstitucional. Não existe dúvida. Vai haver judicialização. O governo assume que não irá arcar com dívidas judicialmente reconhecidas”, afirmou a presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP e professora da Fundação Getúlio Vargas, Tathiane Piscitelli.
Um segundo problema, segundo a especialista, é que a retórica do governo traz o parcelamento como única solução para um problema de gestão fiscal. Ela argumentou ainda que o Poder Executivo já tinha conhecimento desses valores e do aumento desse tipo de despesa nos últimos anos.
“O que parece que está em jogo é uma escolha claramente política no sentido de escolher descumprir decisões judiciais transitadas em julgado para abrir espaço orçamentário para despesas mais interessantes, inclusive da perspectiva eleitoral”, avaliou Tathiane Piscitelli.
Também para o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega o parcelamento proposto não é solução para o problema e configura calote. “Se você não paga na data prevista no contrato, isso é um calote decretado em decisão unilateral contra indefesos credores, sejam estados, municípios, proprietários de fazendas desapropriadas, um idoso que não teve o cálculo adequado da sua aposentadoria e assim por diante.”
Ainda segundo Maílson da Nóbrega, esse calote pode prejudicar a imagem e o crédito do governo e influenciar na avaliação da percepção de risco do Brasil. O governo, em sua avaliação, deveria se preparar para o pagamento de precatórios desde o início das ações, negociando com os credores ao longo do processo judicial.
Previsão anterior O deputado Darci de Matos e os representantes do governo argumentaram, por outro lado, que a Constituição de 1988 já prevê o parcelamento de precatórios. Tathiane Piscitelli, porém, lembrou que tais previsões foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, porque ofendem o ato jurídico perfeito, o direito adquirido, a coisa julgada e o princípio da moralidade. Além disso, a medida aparece no texto constitucional como regra de transição.
O procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano de Alencar, por outro lado, respondeu que a redação que se pretende agora foi aprimorada.
Fundef Outra preocupação dos críticos da matéria se deve ao fato de que boa parte dos precatórios são relativos a dívidas do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).
“Quando nós dizemos sobre os R$ 30 bilhões que a União deve pagar de precatórios para estados e municípios, nós estamos falando de recursos para a educação pública”, contabilizou o secretário de Assuntos Jurídicos e Legislativos da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Gabriel Magno.
Ele defendeu os investimentos na escola pública, especialmente em tecnologia e estrutura, para um retorno presencial seguro dos alunos, em um contexto de pandemia.
Alternativa A sugestão de alguns participantes do debate, como Maílson da Nóbrega e o presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB Nacional, Eduardo de Souza Gouvea, é que a Câmara adote uma proposta que está sendo encampada pelo 1º vice-presidente da Casa, deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
O parlamentar defende que se retirem os precatórios do teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação). “Eu ofereço uma solução, que é considerar que a natureza jurídica dos precatórios é a mesma dos repasses obrigatórios para estados e municípios e a mesma dos gastos com a Justiça Eleitoral. Você sabe que todo ano tem. Portanto, tecnicamente, ela nunca deveria ter estado dentro do teto de gasto”, explicou Ramos.
Segundo ele, a PEC 23/21 constitucionaliza a pedalada fiscal. “Não há outro nome para empurrar uma dívida atual para anos fiscais futuros, em especial por dez anos. Pedalada fiscal até hoje é crime de responsabilidade que já teve como consequência um impeachament de uma presidente da República”, afirmou.
Os deputados Pompeo de Mattos (PDT-RS), Maria do Rosário (PT-RS) e Erika Kokay (PT-DF) também participaram da audiência e igualmente condenaram a PEC dos Precatórios.
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