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Debatedores defendem aprimoramento da fiscalização das armas de fogo

Agência Senado


Transferência de atividades de fiscalização do Exército para a Polícia Federal foi um dos tópicos abordados - Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A regulação efetiva de munições e do porte de armas de fogo é uma tarefa crucial para a segurança pública, visto que o Brasil registra mais de 40 mil mortes violentas por ano — três em cada quatro provocadas por esse tipo de armamento. A avaliação foi feita nesta terça-feira (19) pelos participantes de audiência pública interativa na Comissão de Segurança Pública (CSP) sobre o controle e fiscalização de armas, munições, acessórios e explosivos no país.

O debate foi conduzido pelo senador Sérgio Petecão (PSD-AC), que preside a comissão, e realizado por iniciativa do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), em razão das alterações promovidas no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003) pelos Decretos 11.366 e 11.615, ambos de 2023.

Entre as mudanças estão a diminuição do número de armas e munições disponíveis para civis, incluindo caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), e o restabelecimento da diferenciação entre armas de uso exclusivo de órgãos de segurança e aquelas permitidas para o público em geral.

A nova regulamentação eliminou o porte de arma municiada em trânsito para CACs, impôs limitações às associações de tiro desportivo, diminuiu o prazo de validade dos registros de armas de fogo e iniciou a transferência gradual da responsabilidade sobre atividades civis relacionadas a armas e munições para a Polícia Federal.

Polarização e radicalismo

Durante o debate, Alessandro Vieira destacou que “no ambiente sempre tão emburrecido pela polarização e pelo radicalismo, nenhuma atividade pode ser previamente demonizada”.

— Os CACs não devem ser demonizados, é uma atividade legitima, correta. Não deve ser demonizada a Polícia Federal e muito menos as Forças Armadas e particularmente o Exército por eventuais falhas. Mas é preciso apontar essas falhas, reconhecê-las e fazer a devida correção. Em 2019 aqui já apontávamos a má qualidade da fiscalização e registro das armas de fogo no Brasil. Infelizmente, de 2019 para cá, as coisas não melhoraram em absolutamente nada, elas só pioraram. É preciso identificar onde está o gargalo, qual é o problema, para que a gente possa fazer as correções devidas — afirmou.

Alessandro destacou o primeiro relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) relativo a processo de auditoria feito no controle de armas e munições a cargo do Exército no período de 2019 a 2022. O documento aponta que aproximadamente 24 mil indivíduos estão em execução de pena, com mandado de prisão em aberto ou que tiveram registro de ocorrência criminal grave registrados como CAC. Questionado, o Exército admitiu que faz apenas uma verificação formal da documentação apresentada, sem verificar autenticidade dos documentos ou consultar os nomes em qualquer das bases abertas para o público, como o banco nacional de mandado de prisão, e nem verifica a habitualidade dos atiradores esportivos ou a participação deles em competições. Outro dado aponta que apenas 10,37% das pessoas físicas que tiveram registro de caçador concedido e revalidado junto ao Exército conseguiram autorização para a atividade junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A auditoria indica ainda 150 mil armas registradas no acervo de caça, sem a efetiva confirmação se são utilizadas nos limites legais, entre outros dados.

— A fiscalização não tem eficiência. Tenho absoluta confiança na seriedade das Forças Armadas brasileiras, mas esse é um dado que já existia lá em 2019 e possivelmente existia desde sempre, a falta de uma fiscalização adequada que coincide infelizmente com o aumento exponencial na quantidade de armas em circulação. As vistorias e fiscalizações baseiam-se em avaliações de risco que ignoram riscos relevantes e que não utilizam informações e ferramentas úteis e disponíveis para a administração — afirmou.

Para o senador Marcos do Val (Podemos-ES), “é preciso diferenciar e tirar essa ideia de que arma foi feita para matar”. Em sua avaliação, “a arma foi feita para proteger a vida, e é utopia achar que um dia nós vamos acabar com as armas no mundo”.

Por sua vez, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) disse que é preciso melhorar a fiscalização. Ele ressaltou que não é contra a posse de armas, mas que o porte “tem que ser muito restrito”.

Pessoas armadas

Representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Carolina Valladares Guimarães Taboada destacou que os anos de 2019 a 2022 registraram aumento considerável de pessoas armadas e de armas em circulação no país. Ao assumir o governo em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto 11.366, que suspendeu diversas atividades relacionadas à concessão de arma de fogo e estabeleceu grupo de trabalho para nova regulamentação, após mais de 40 normas editadas nos anos anteriores, ressaltou.

— Uma arma de fogo é um instrumento que, no Brasil, de acordo com a Lei 10.826 de 2003 deveria ter todo o seu ciclo de vida controlado, deveria ter todo o seu ciclo de vida controlado, da fabricação ou importação, até a destruição, incluindo renovações periódicas, trocas de propriedade, situações de perda de legalidade e todo o ciclo de vida. Nesse sentido, o trabalho do ministério tem sido e continua sendo para que essas etapas previstas em lei sejam aperfeiçoadas e sejam fortalecidas — disse a coordenadora de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública da Diretoria de Ensino e Pesquisa da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Novas atribuições

O coordenador-Geral de Controle de Serviços e Produtos da Diretoria de Polícia Administrativa da Polícia Federal, Cristiano Jomar Costa Campidelli, explicou que a área que coordena — responsável pelo segmento de segurança privada, controle de produtos químicos e de armas de fogo — tem trabalhado em conjunto com o Ministério da Justiça para a migração do controle e fiscalização dos CAC’s do Exército para a PF, conforme previsto no Decreto 11.615.

— Para assunção dessas novas atribuições, que virão com essa migração de competência, a PF vem trabalhando em cinco eixos principais para bem assumir essa nova responsabilidade:  reestruturação administrativa; desenvolvimento e adaptação de um sistema que o Exército nos cedeu, o código fonte; construção das normas e portarias necessárias; realização de concursos públicos para servidores policiais e administrativos; e a contratação de terceirizados. É muito importante que a gente tenha êxito nesses cincos grandes eixos para que a gente possa assumir essa nova responsabilidade, que tem data para chegar, que é 1º de janeiro de 2025 — disse.

Poder de fiscalização

De acordo com o diretor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército, general de brigada Marcus Alexandre Fernandes de Araújo, o principal foco é trabalhar para atingir exatamente o interesse da política pública definida pelos Poderes Executivo e Legislativo, como forma de endereçar bem a solução a todos os problemas ou a necessidade de regulamentação de todos os processos que estão sob responsabilidade do Exército.

— Nós não temos o poder de polícia judiciária, que permite a atuação dos órgãos de segurança pública contra crimes, como o caso de execução de prisão de pessoas ou instauração de inquéritos criminais. As atividades sujeitas a controle pela fiscalização de produtos controlados são a fabricação, a utilização, a importação, a exportação, o desembaraço alfandegário, o tráfego e o comércio — explicou.

Problema na regulamentação

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, Nísio Edmundo Tostes Ribeiro Filho informou que a Lei Complementar 75, de 1993, confere aos integrantes do Ministério Público da União o porte de arma independentemente de autorização, o que gera um problema prático diante da nova regulamentação. Ele explicou que magistrados e membros do Ministério Público possuem esse porte de arma de fogo legalmente previsto em função do ônus da função que exercem, o que gera riscos em razão do combate ao crime organizado e a criminalidade em geral.

Ribeiro Filho citou o caso do assassinato da juíza Patrícia Acioli, que motivou a criação da Lei 12.694, de 2012, a qual protege magistrados de ações de retaliação promovidas pelo crime organizado. Patrícia conduzia um processo por meio do qual se investigava uma quadrilha de policiais. A norma prevê que os processos judiciais relativos à atuação de organizações criminosas poderão ser julgados por colegiados de três juízes, para evitar que eventuais pressões e ameaças recaiam sobre um magistrado específico. O promotor também citou dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) do ano passado que apontam 127 membros do Ministério Público sujeitos a medidas de proteção em virtude de ameaças do crime organizado.

— Com o artigo 13 do Decreto 11.615, houve restrição, um óbice à aquisição de armas de uso restrito. Nós entendemos essa necessidade de regulamentação, entendemos a dinâmica feita hoje, mas nós temos uma preocupação porque nós estamos lidando com vidas humanas, de pessoas que acabam se colocando em risco.  Nós não estamos aqui falando de CAC’s, não é um promotor ou juiz que está buscando arma de fogo para momento de lazer, atividade esportiva, ou colecionar armas, mas de profissionais que, em virtude de uma profissão que possui seu risco inerente, acabam se colocando em situação de risco. Caso não seja possível, a gente teria outra alternativa que seria requisitar da Polícia Federal, Civil ou Militar uma escolta 24 horas, o que acabaria onerando ainda mais as instituições, inviabilizando em muitos casos os problemas de efetivos que essas instituições possuem, mas nós estamos lidando com vidas humanas — apelou.

Controle de armas

O coordenador de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, destacou que o Brasil passou por um processo de grande flexibilização no acesso a arma de fogo, o que gerou diversos problemas decorrentes da concessão e da fiscalização do armamento e munições, como evidenciam auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e o trabalho desenvolvido pela imprensa e organizações da sociedade civil.

No período de 2017 a 2022, o número de pessoas registradas como CAC cresceu mais de 12 vezes e atingiu mais de 780 mil certificados de registro em 2022. No mesmo período, a Polícia Federal aponta um crescimento de mais de 144% nos registros, alcançando mais de 1,5 milhão em 2022, destacou Marques.

— Embora a gente tenha tido esse crescimento bastante acelerado no número de armas de fogo em circulação no mercado legal, assim como esse grande número de evidências de desvios que conectam o mercado legal e o mercado ilegal, ainda assim o número de armas de fogo apreendidas pelas policias estaduais apresentou redução em 2022. Em que pesem as apreensões da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal terem crescido nesse período, elas ainda representam a menor parte das apreensões que são realizadas no sistema de segurança pública. A gente teve uma redução, entre 2021 e 2022, de mais de 8% no número de armas apreendidas. Esses registros devem ser considerados muito mais como um indicador de ausência de priorização na retirada de armas de fogo ilegais na circulação e da quase completa inexistência de trabalhos investigativos e de inteligência policial mais estruturados, que coloquem o desvio de arma de fogo entre o mercado legal e o mercado ilegal no centro da sua estratégia, do que propriamente um indicativo de menos crimes e outras ilegalidades cometidas com a utilização da arma de fogo — concluiu.

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